quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Direito à Produção de Provas

Como meu primeiro post no blog, trago um artigo da autoria do Prof. e Dr. Paulo Márcio Reis Santos, que aborda um assunto de extrema importância para os futuros profissionais do direito: a produção de provas.


Direito à produção de provas

Paulo Márcio Reis Santos
Sócio de Santiago, Tôrres e Saldanha Advogados. Mestre em Direito pela UFMG. Professor


O artigo 130 do Código de Processo Civil estabelece que “cabe ao juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.” A redação é semelhante ao artigo 117 do Código de Processo Civil de 1939, que previa: “a requerimento ou ex-officio, o juiz poderá, em despacho motivado ordenar as diligências necessárias à instrução do processo e indeferir as inúteis em relação a seu objeto, ou requeridas com propósitos manifestamente protelatórios.”
A partir desses dispositivos, a jurisprudência entende que o magistrado é o destinatário das provas, cabendo a ele indeferi-las quando em nada acrescentar no seu convencimento para o julgamento da lide. Essa interpretação merece cautela, pois a sua aplicação literal está dissociada do atual contexto processual constitucional. O pleno direito de produção de provas constitui fato preponderante para a efetiva garantia dos direitos fundamentais e institucionais concedidas aos cidadãos pela Constituição. Evidentemente, os atos inúteis ou protelatórios devem ser indeferidos, sob pena de inefetividade do processo. Porém, é indispensável que a decisão fundamente de modo claro e preciso o motivo da desnecessidade da realização da prova requerida. Não basta alegar que “a matéria é de direito”. O indeferimento de provas sem motivação importa cerceamento de defesa.
O artigo 130 do CPC deve ser analisado sob o aspecto temporal, pois o código vigente foi editado em 1973. Pelos critérios hermenêuticos hierárquico e temporal, todas as normas anteriores à Carta Constitucional devem ser interpretadas em correspondência aos princípios e garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito. Ao definir que a República Federativa do Brasil constitui-se nesse modelo, a Constituinte não adotou um simples “dogma” ou “mantra”, mas um instituto legitimador da efetiva participação popular para a construção dos provimentos estatais, inclusive judiciais. Partindo dessa premissa, defender que, pelo artigo 130 do CPC, compete apenas ao juiz monocrático definir quais as provas que serão produzidas não corresponde ao ideal democrático determinado pela Constituição.
No devido processo constitucional, as decisões judiciais não são consideradas atos isolados do julgador. As sentenças são proferidas a partir dos atos procedimentais praticados pelas partes, em contraditório. Como observado pelo professor Rosemiro Pereira Leal, as partes processuais preparam os provimentos, pois são elas que apresentam as alegações e articulações dos fatos da lide (Teoria Processual da Decisão Jurídica. Landy, 2002). Tendo em vista os princípios institutivos do processo, a legitimidade das decisões dependem da efetiva participação das partes, em simétrica paridade.
A Constituição preceitua que “todo o poder emana do povo”. Diante desse pressuposto, o Estado-Juiz não pode ser considerado o centro do processo. Do contrário, o poder estará concentrado apenas nas “mãos” do Estado, restando às partes a simples posição de coadjuvantes, quando, na verdade, elas são as principais interessadas no litígio.
A interpretação do artigo 130 do CPC, a partir do devido processo constitucional, não afasta a iniciativa probatória do juiz, pois, assim como o processo penal, o civil deve buscar a verdade real. Não há obstáculos para a produção de provas determinada de ofício pelo julgador. Essa função, todavia, não permite a violação aos princípios do contraditório e da ampla produção de provas a pedido das partes. Como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: “se a pretensão do autor depende da produção da prova requerida, esta não lhe pode ser negada, nem reduzido o âmbito de seu pedido com um julgamento antecipado, sob pena de configurar-se uma situação de autêntica denegação de Justiça.” (RSTJ 27/499)
No Estado Democrático de Direito, a legitimidade das decisões exige considerável grau de explicação para a população, não apenas para evitar o rótulo de arbitrárias. A completa fundamentação é necessária não apenas pelo caráter impositivo das decisões, mas para apontar às pessoas qual será o posicionamento judicial quando outro litígio, versando sobre aquela matéria, for apresentado em juízo. Essa é uma das características da função social do processo, que também pode ser denominada segurança jurídica.
O respeito às garantias do devido processo constitucional são essenciais para o Estado Democrático. A celeridade nos julgamentos é de elevada importância. Contudo, a realização de “justiça rápida” e a “economia processual” não significam a supressão de direitos fundamentais. As garantias constitucionais do devido processo legal, tais como o contraditório, a ampla defesa, a isonomia, a presunção de inocência e o direito de representação por advogado não são “simples enfeites” da Constituição. Na verdade, trata-se de conquistas históricas, após diversas injustiças cometidas contra a humanidade, em processos que não foram observadas essas garantias.
O povo, legitimamente representando pela Assembléia Nacional Constituinte, decidiu que a existência dos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, isonomia e direito a advogado são essenciais para a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões. A toda evidência, o respeito à livre produção de provas, sempre com base na boa-fé e na lealdade processual, é indispensável para a concretização de uma sociedade justa como previsto pela Constituição.

Um comentário:

  1. Excelente artigo, muito bem redigido e que será de extrema importância para nós,estudantes de Direito.

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